Ideias

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quarta-feira, 14 de maio de 2014

O burro de Buridan

O burro de Buridan

O burro de Buridan

Era uma vez um filósofo chamado Buridan.
- Mas que vem a ser um filósofo? - perguntam vocês.
- É um homem cuja profissão é pensar.
Pensa, pensa e ensina os outros a pensar.
O nosso filósofo tinha um burro, que pensava pouco e carregava muito, como em geral acontece com os burros. Carregava cântaros de água da fonte, lenha para a lareira, sacos de farinha, livros e mais livros. Até carregava o dono que andava de terra em terra a dar lições a quem queria aprender a pensar.
Certo dia, nas suas andanças, chegaram a uma terra e procuraram uma hospedaria.
O burro como burro ficou no pátio, atado a uma árvore. Buridan como sábio, entrou na sala onde encontrou um jovem a chorar (…).
- Porque choras? – perguntou o filósofo.
- Quando cá estive a semana passada os teus olhos riam como dois sóis.
- Antes ria porque era feliz. Tencionava casar-me… Tinha-me apaixonado por uma rapariga tão bela, tão maravilhosa que julguei que no mundo não houvesse outra igual.
- Mas havia? – quis saber Buridan, já curioso.
- Apresentou-me a irmã gémea! É impossível distingui-las. Agora já não sei qual hei-de amar. O filósofo pôs-se a pensar a pensar. Não era essa a sua especialidade?
- Aí está um problema sem solução. Dizem que o homem é livre de fazer escolhas mas, diante de duas pessoas iguais como há-de decidir?
- Então estou condenado a ficar solteiro?
- Bem, tu ainda tens sorte porque um homem pode viver sem casar. Mas um caso de indecisão pode levar até à morte.
O filósofo Buridan image
A gente que entretanto se tinha reunido na estalagem ouvia atentamente aquelas palavras graves.
- Sim! Sim! – insistiu Buridan. – Vão ver a tragédia que vai acontecer ao meu burro.
Mandou buscar dois fardos de palha iguaizinhos.
Colocou o burro no meio do pátio com um fardo de cada lado, à mesma distância.
- Como ele não pode decidir entre dois objetos iguais vai hesitar, hesitar até morrer de fome.
As pessoas puseram-se a espreitar em silêncio.
(…) A estalajadeira pôs-se a esfregar as mãos de contentamento, tecendo planos em voz alta.
- Então com a pele dele vou fazer uma mala para guardar o enxoval. Transformo o rabo em vassoura. Com a carne vou cozinhar um banquete para os meus hóspedes e deito os ossos aos cães.
O burro até espetou as orelhas ao ouvir estas palavras.
Deu um par de coices no ar, não hesitou mais. Trotou até ao fardo da direita e comeu metade, trotou até ao fardo da esquerda e comeu outra metade.
Depois, feliz por se ver livre, para mais com a barriga cheia, largou a galope até uma encruzilhada de onde partiam duas estradas iguais.
Não perdeu tempo a decidir, meteu pelo campo.
Para que é que um burro precisa de estradas?
(…) o filósofo Buridan, agora sem montada, achou que o melhor era sentar-se a escrever para não cansar as pernas. E escreveu um livro que muitos leram em que falava dum burro imaginário que morreu por ser incapaz de decidir. Lê-lo, de certeza, nunca passou pela cabeça de qualquer burro com juízo.”
Luísa Ducla Soares com ilustrações de Eunice Rosado, O burro de Buridan, Civilização Editora, Lisboa 2010.

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